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“VENCER NA VIDA” E OS FASCÍNIOS UTÓPICOS (Jorge Hessen)


Jorge Hessen
Brasília-DF

Na sociedade o “vencer na vida” é relativo; todos poderiam “vencer”, se se entendessem convenientemente, porque o verdadeiro “vencer na vida” consiste em cada um empregar o seu tempo como lhe apraza, e não na execução de trabalhos pelos quais nenhum gosto sinta. “Como cada um tem aptidões diferentes, nenhum trabalho útil ficaria por fazer. Em tudo existe o equilíbrio; o homem é quem o perturba.” [1]

É evidente que não é natural a “desigualdade extrema” na sociedade. É obra de alguns homens e não de Deus. Mas essa “desigualdade extrema” desaparecerá  quando o egoísmo e o orgulho deixarem de predominar. Permanecerá porém a desigualdade do merecimento , pois que a cada um segundo seus méritos, como proferiu Jesus.” [2]

Sobre isso, li com atenção o depoimento de Fernanda Orsomarzo, uma juíza de direito do Tribunal de Justiça do Paraná, afirmando que “ralou duro” para ser Juíza de Direito. Chegou a estudar 12 horas por dia, abdicou de festas, passou feriados em frente aos livros. Sim, muito esforço pessoal.[3]  Seria hipocrisia afirmar que se tornou juíza por méritos pessoais. Justifica que tudo lhe foi favorável, pois nasceu “branca”, era da classe média, estudou em escola particular, frequentou cursos de inglês e informática, teve acesso a filmes e livros. Contou com pais presentes e preocupados com a sua formação. Jamais faltou o seu café da manhã, almoço e jantar. Nunca se preocupou com merenda ou material escolar.

Não obstante seu esforço individual, no entanto, afiança que nada conquistaria sem as inúmeras oportunidades proporcionadas pelo fato de ter nascida “branca”e no seio de uma família de classe média bem estruturada. Justifica não ter mérito porque na competição em busca do “vencer na vida”, teve todas as vantagens desde que nasceu. Por isso, segundo afirma,  não é justo ser exigido que alguém  que sequer tem professores pagos pelo Estado entre nessa competição (“vencer na vida”)em iguais condições.

Alega que o discurso embasado na meritocracia desresponsabiliza o Estado e joga nos ombros do indivíduo todo o peso de sua omissão e da falta de políticas públicas. Segundo Orsomarzo, a meritocracia naturaliza a pobreza, encara com normalidade a desigualdade social.

Em que pese Fernanda ter um discurso charmoso, talvez resvale para uma ideologia  capciosa. Sob o ponto de vista espírita não anuímos com a sua arenga. Observemos o seguinte  cenário: abre-se vaga para médico, através de um concurso público (confiável). Poderão se inscrever os que satisfazem as exigências legais. Apresentam-se dois candidatos. O primeiro é filho de um professor, estudou em uma faculdade “de ponta”, teve no lar todos os estímulos para estudar todos os livros necessários e nunca precisou trabalhar. O segundo candidato é órfão de pai desde criança. Sua mãe é uma diarista, criou cinco filhos com enormes dificuldades. Esse candidato não teve muito tempo para estudar; sem livros, tendo que trabalhar desde cedo, estudando à noite em uma faculdade “fuleira”, pouca alimentação etc.

Pergunta-se: qual deles dois, considerando-se que possuem a mesma inteligência e se prepararam para o concurso, está, teoricamente, em melhores condições de vencer a disputa? Obviamente, o primeiro candidato.

Para os espíritas a meritocracia faz sentido a partir de uma abordagem reencarnacionista, e torna justa a lei de Deus. As nossas encarnações são construídas segundo duas variantes: a necessidade evolutiva e os resultados de nossas ações de vidas pregressas.

O primeiro candidato (filho do professor) pode ter sido um filho de lavadeira em reencarnação anterior, e que, superando todos os obstáculos, fez o melhor que pôde, adquirindo merecimentos, que lhe são considerados na existência atual. O segundo candidato (filho da lavadeira) talvez tenha sido um filho de professor no passado, que tendo recebido todas as facilidades em existência hipotética, desconsiderou-as, levando uma vida de ócio ou devassidão. Retorna, pela reencarnação, ao cenário da Terra, com dificuldades redentoras para, através da vida custosa, reeducar-se perante si mesmo. E assim a justiça se faz e o princípio do mérito torna-se aplicável às diferentes situações da vida.

Meritocracia (do latim meritum, "mérito", e do sufixo cracia, "poder") indica posições ou colocações conseguidas por mérito pessoal. É comum se fazer referência à meritocracia espírita, designada por Kardec como aristocracia intelecto-moral, desmerecendo-a por analogia à meritocracia vigente. A meritocracia espírita é fundamentada nas conquistas morais do Espírito encarnado. Os conceitos do Espiritismo defendem a meritocracia do ideário liberal, a liberdade individual e quem pugna por esses valores não deve ser tido como um reacionário.

O princípio da improfícua ideologia igualitária sempre fascinou a mente revoltosa, porque parece ser mais “justa”, e atender melhor à parte mais “desprotegida” da sociedade. Irrisão! Essa ideologia carrega consigo uma mancha execrável. Não é capaz de respeitar o que é inerente ao ser humano, que é o livre arbítrio individual. Como não conseguirá jamais se estabelecer com a concordância dos cidadãos, precisa se impor à força para que os “mais iguais” (grupelhos autoritários e minoritários) liderem e dirijam a “liberdade” do resto da massa narcotizada e reprimida.

Seria hoje possível a “igualdade absoluta” das riquezas, por exemplo ou das oportunidades? Óbvio que não é possível. “A isso se opõe a diversidade das faculdades e dos caracteres. ”[4] Há, teóricos que julgam ser a “igualitarismo” o remédio aos males da sociedade. 

Quase sempre tais partidário são ateus, materialistas e cultores de sistemas [coercitivos] ou interesseiros entupidos de cobiça. “Não compreendem que a “igualdade” com que sonham seria a curto prazo desfeita pela força das circunstâncias.

É importante sim combater o egoísmo, que é a chaga social, mas não correr atrás de quimeras utópicas.”[5]

Referências bibliográficas:

[1]           Kardec Allan. O Livro dos Espíritos , questão 812,  RJ: Ed. FEB, 2000
[2]           Idem, questão 806
[4]           Kardec Allan. O Livro dos Espíritos , questão 811, RJ: Ed. FEB, 2000

[5]           Idem  inciso “a”

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