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A Unificação depende da União que depende da Educação Doutrinária


Leonardo Marmo Moreira

Existe uma frase, muito verdadeira por sinal, que é repetida frequentemente no Movimento Espírita: "Não conseguiremos a unificação do Movimento sem a união dos indivíduos". Tal observação já foi enunciada por Divaldo P. Franco e seria baseada em orientações do Mentor Espiritual Bezerra de Menezes. Apesar de muito verdadeira, tal observação não tem sido adequadamente compreendida pelos confrades do Movimento Espírita. 

Costuma-se acreditar ou pelo menos sugerir sutilmente que o esforço moral de tolerância em relação aos que pensam diferentemente de nós seria suficiente para a união dos espíritas. Tal ideia é equivocada. 

É evidente que a alteridade é fundamental em todas as relações interpessoais e com especial destaque para os trabalhos desenvolvidos pelo centro espírita. Afinal, o trabalho espírita é um serviço eminentemente coletivo. Trata-se de um trabalho em equipe, o qual depende da amizade e da tolerância em relação aos que pensam de forma diferente. No entanto, a supracitada “tolerância com os pensamentos diferentes” trata-se de um pré-requisito e não do “único” pré-requisito para o desenvolvimento de tarefas espíritas. 

A união dos espíritas não pode ser obtida por decreto, pois resulta de um esforço moral, mas também de um esforço de educação doutrinária. Por mais que tenhamos afinidade espiritual e estima por muitos irmãos, não podemos levar todos para o centro espírita e, sobretudo, para tarefas de liderança e formação doutrinária dentro da casa espírita, pois nem todos são espíritas e mesmo os que são realmente espíritas podem não apresentar as condições doutrinárias e de aptidão geral para determinadas funções. 

Muitas divergências no Movimento Espírita são questões doutrinárias contundentes, que só serão equacionadas através de um lento, gradual e consistente esforço de educação doutrinária. A amizade entre frequentadores não é suficiente para a qualidade doutrinária. De fato, a união contempla, mas não se restringe à vinculação afetiva, pois igualmente abrange a identificação ideológica. 

Os líderes espíritas devem, portanto, estar conscientes da necessidade da auto doutrinação; da contribuição para o crescimento doutrinário dos companheiros, sobretudo os mais próximos; e da escolha de dirigentes, expositores e redatores, que possam ser indicados/convidados por esses referidos líderes. 

No Espiritismo, não há batismo e nem formatura como “teólogo espírita” ou “bacharel de Espiritismo”. E tal realidade é perfeitamente condizente com as bases doutrinárias da Codificação e com o ideal de resgatar a essência do Cristianismo primitivo. Portanto, não existe um “rito de passagem” ou um sistema de avaliação que forneça um “título” que identifique perante seus pares que tal “neo-espírita” é realmente apto à direção e/ou desenvolvimento de determinados trabalhos espíritas (o que incluiria necessariamente conhecimento doutrinário, vivência no Movimento Espírita e capacitações específicas para cada tarefa espírita, entre outros). 

O indivíduo torna-se espírita, a priori, quando identifica-se como tal. Isso, obviamente, vale para o próprio indivíduo e vale para a identificação como espírita para institutos de pesquisa, tais como o IBGE, mas não significa que o mesmo esteja apto para tarefas espíritas de maior responsabilidade. A autodenominação como espírita não é suficiente para que líderes espíritas identifiquem no respectivo “neo-espírita” as condições necessárias para que o mesmo assuma compromissos de diferentes níveis de complexidade perante o Movimento Espírita. 

Esse mecanismo natural e espontâneo de “conversão ao Espiritismo” faz com que o Movimento Espírita tenha significativa heterogeneidade em termos de nível de compromisso doutrinário por parte de seus adeptos. E essa tendência está sendo acentuada, cada vez mais, com a popularização das ideias espíritas e a diminuição do preconceito social contra o Espiritismo. Assim sendo, o aumento do número de adeptos tende a aumentar a dificuldade no chamado “nivelamento por cima” da compreensão doutrinária dos espiritistas. Pelo contrário, o Movimento Espírita corre sério risco de um “nivelamento por baixo”, com uma espécie de assimilação doutrinária “à moda da casa”, ou seja, unicamente dependente das ideias, prioridades e estudos dos dirigentes do centro espírita frequentado pelo neófito. 

Por outro lado, “espíritas de berço” podem passar décadas e mais décadas frequentando o centro espírita sem adquirir condições de assumir trabalhos de maior expressão. A dedicação ao estudo doutrinário ocorre tanto dentro como fora da casa espírita e o nível de assimilação de cada palestra, de cada reunião de grupo de estudo e de cada leitura de livro doutrinário varia muito de pessoa para pessoa. 

De qualquer maneira, podemos favorecer o crescimento geral através de pequenas medidas bastante acessíveis, tais como uma seleção com melhores critérios, do ponto de vista doutrinário, os livros das bibliotecas e livrarias, entre outros. Tais medidas não garantem a homogeneidade, mas tendem a contribuir para a melhoria doutrinária do Movimento a médio e longo prazos. 

Dentro desse contexto, o chamado “movimento ou trabalho de unificação” deveria e deve ser um mecanismo de fraternidade e intercâmbio entre casas espíritas e espiritistas de diferentes grupos visando a uma homogeneização para uma elevação na qualidade doutrinária geral. Um país de tamanho quase continental, como é o caso do Brasil, faz com que consigamos visualizar a relevância desse ideal com facilidade. Assim sendo, todos os que assumem tais compromissos devem ter a consciência da responsabilidade inerente a tal tarefa, pois contempla maior número de casas e indivíduos e, por conseguinte, tem maior impacto em termos de “formação de opinião” em nossos arraiais.

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